O uso da garrafa de vidro é tão natural para acondicionar o vinho que nem chama a atenção. Não é novidade. Apareceu no início da Revolução Industrial. Sem ela, os brancos e tintos jamais teriam a enorme evolução apresentada em nossos dias. O Porto reivindica sua primazia, com uma garrafa autêntica e reconhecida de 1708. Até aquela época, brancos e tintos foram acondicionados ou expedidos em recipientes de pedra, barro, couro e barris de madeira. No momento do consumo, eram vertidos dali diretamente nos jarros, que iam à mesa, ou servidos nos copos. As garrafas de vidro, ainda frágeis demais, constituíam artigo muito caro.
Segundo a história, a primeira moderna teria sido criada no século XVIII pelo inglês Sir Kenelm Digby, filósofo, alquimista, comandante naval, diplomata, gourmet, enófilo e, provavelmente, pirata, um dos fundadores da Royal Society, por volta de 1650. Era grossa, pesada, mas resistente. Tinha custo acessível e compatível com seu emprego para armazenar e transportar a melhor bebida do mundo. Ao mesmo tempo, podia ser produzida em série. As mais antigas, feitas à mão, revelavam- se irregulares. Inicialmente, apresentavam o formato de bola ou de relógio, como um bulbo de lâmpada elétrica. Possuíam formato incômodo, que logo foi sendo aperfeiçoado e recebeu um perfil mais ou menos cilíndrico, como as conhecidas atualmente.
Logo os ingleses passaram a usar carvão de mina para os fornos de fabricação de vidro, conseguindo temperaturas mais elevadas e um material mais forte. Graças a essa evolução, foi possível a criação do champagne. Sem a garrafa de vidro, e sólida o bastante para suportar a pressão da segunda fermentação, não haveria a bebida da alegria e da confraternização. Até a primeira metade do século XIX, era feita quase artesanalmente. Seu formato tinha irregularidades e era bem mais pesada que as atuais. Com a evolução da indústria, veio o processo de produção em massa e com mais eficiência. Tornou-se perfeitamente regular, mais leve e muito mais barata já na primeira metade do século XIX. De lá para cá, pouco evoluiu.
Entretanto, a técnica industrial, de fabricação em grande quantidade, melhorou enormemente. Para completar, os custos baixaram ainda mais. A garrafa é o recipiente perfeito. Não só porque se mostra inerte, como também, complementada pela rolha, protege o vinho com eficiência jamais vista. Haverá um substituto para ela? Pode ser que sim, em algum dia do futuro. No momento, não. Há tentativas com vasilhames bag-in-box, de plásticos e outros produtos sintéticos. Mas nenhum ainda conseguiu nem de longe o resultado proporcionado pela garrafa de vidro. Sem falar no seu charme especial. Imaginemos adegas sem garrafas de vidro, apenas com recipientes de papelão, plástico ou outro material. Não teria a menor graça. Aliás, o triunfo da garrafa de vidro bastaria pela eficiência inigualável no desempenho de sua função.
As garrafas trazem consigo a mística das caves de armazenamento dos brancos e tintos, da ação do tempo sobre a bebida, das adegas, da espera pelo amadurecimento dos vinhos. Se o vinho tem alma ou espírito, podemos dizer que a garrafa é o corpo perfeito que o condiciona até chegar a nossas mesas.
Fonte: Guilherme Rodrigues - Publicado na edição 185 da Gula
Silas, vc poderia falar tbm sobre o fundo das garrafas? Há alguma relação entre a qualidade do vinho e a profundidade no fundo das garrafas?
ResponderExcluirCriska, não necessáriamente, essas garrafas de fundo com maior reentrância são mais caras, por isso normalmente os vinhos mais caros se permitem ter esse tipo de garrafa. Esse fundo da maior resistência a garrafa e ajudam muito na hora de servir o vinho. Elas tem funções especificas em garrafas de champagne por exemplo, mas no geral não tem a ver com a qualidade do vinho.
ResponderExcluirAbraço