Nº 1 em vinho, Ciro Lilla fala sobre mercado brasileiro.
O Brasil já deixou de ser uma promessa na economia para colher os frutos dos anos de estabilidade política e econômica. Isso explica, em parte, o importante papel do País no G20 e sua crescente influência na América do Sul, além da popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em viagens ao exterior. Mas ainda há um campo no qual o País engatinhando: o setor vitivinícola. Com um mercado de vinhos ainda incipiente, com um consumo per capta pífio quando comparado a outros tantos países do mundo, o Brasil ainda tem muito a caminhar nesse setor.
Essa é uma das conclusões que se pode tirar da coluna "Who's Who", publicada em um de seus últimos números da revista Meininger's Wine Business Internacional. A publicação voltada aos negócios do vinho, elegeu o "Quem é Quem" no Brasil e fez um rápido retrato do setor vinícola no País. Entre os destaques da matéria, o nome de Ciro Lilla é lembrado como o dono da Mistral, apontada como a melhor importadora de vinhos do País, e, mais importante, apontado como a pessoa mais influente no mundo do vinho no Brasil.
Pode parecer contraditório um País com mercado ainda rudimentar ser alvo de atenção para uma revista internacional de negócios, mas é um mercado que apresenta muitas oportunidades e potencial de crescimento. Em entrevista exclusiva ao Terra, Ciro Lilla discutiu o mercado do vinho, a qualidade do serviço, seu consumo no País e a identidade do vinho nacional. Leia a seguir os principais trechos da entrevista feita por Carlos Alberto Barbosa do Portal Terra:
Terra - Esta é a primeira vez que o mercado brasileiro é focado no "Who's Who" da revista Meininger's Wine Business International. O que mudou no mercado do País para que ele passasse a ser tema da publicação?
Ciro Lilla - O Brasil é um mercado pequeno, mas há um interesse enorme pelo vinho daqui. Aliás, há um paradoxo aí. Embora o Brasil seja um mercado pequeno, é um dos lugares no mundo onde o vinho é mais bem tratado. Nas importadoras, nos restaurantes e nas revistas de gastronomia. Então, há no País um setor muito sofisticado e interessado em vinhos.
A matéria da revista menciona uma previsão arrojada, onde o Brasil poderia, em alguns anos, ocupar a quinta posição mundial no ranking de consumo de vinhos. Essa é uma análise um tanto otimista, o senhor não acha?
É muito otimismo! Tem outra coisa que é pouco comentada e não se presta muita atenção: o consumo per capita no Brasil gira em torno de dois litros por ano. Em países como Portugal, Argentina e outros, esse consumo é da ordem de quarenta litros anuais por habitante. Os Estados Unidos, que há uns trinta anos tinha um consumo semelhante ao nosso, hoje tem um consumo de algo como oito litros e é o maior consumidor do mundo, com uma população de duzentos milhões de habitantes.
Uma população próxima da nossa em tamanho. Isso mostra então um potencial enorme para o vinho em nosso País?
Se o consumo crescesse no Brasil, como estamos com quase duzentos milhões de habitantes, isso pode ser algo interessante. Agora, o que pouca gente fala é que desses dois litros de vinhos por ano, oitenta por cento do consumo vem do vinho de garrafão (vinhos elaborados com uvas de mesa) e não vinho fino, produzido com uva viníferas. Ou seja, o consumo de vinhos finos equivale a 0,4 litros por habitante ao ano. Então estamos muito longe de nos tornarmos o quinto maior consumidor de vinhos do mundo.
O consumidor brasileiro de vinhos finos tem acompanhado os movimentos do mercado? Ele é um consumidor preparado?
Sem dúvida. Os produtores estrangeiros que vêm ao País ficam impressionados com o nível de conhecimento de vinho do brasileiro.
E o serviço do vinho no Brasil? Como o senhor avalia?
Há pouco tempo estive em Londres. A carta de vinho de um bom restaurante lá não tem um quinto da oferta de rótulos que um bom restaurante brasileiro oferece. Os produtores (de vinho) que vêm ao Brasil ficam impressionados com a variedade de rótulos nas cartas de vinhos dos restaurantes, com as taças utilizadas, com o fato de haver sempre um sommelier com certo conhecimento e com a existência de adegas refrigeradas em todos esses restaurantes. Nós nos acostumamos com isso e temos a impressão que em todos os lugares do mundo é assim, mas estão muito longe disso. Nesse aspecto, nós tiramos nota dez.
Se temos um consumidor preparado e um bom serviço de vinho, qual seria o principal entrave para o aumento desse consumo per capita?
A carga tributária. Ela faz com que nosso vinho seja muito caro, o que torna difícil o aumento do consumo. Vou te dar um exemplo: no Chile, o vinho custa vinte por cento mais que a cerveja, aqui ele custa muito mais que isso.
Isso também faz com que a idéia de popularização do vinho não vá adiante?
Veja, com essa carga tributária fica muito difícil. A Câmara Setorial e as lideranças do vinho estão trabalhando para baixar a alíquota do maior vilão que é o ICMS. Você imagina, o ICMS do vinho é vinte e cinco por cento, quase nenhum produto no País tem essa porcentagem. Isso é punitivo! Não é para um produto saudável como vinho!
Os vinhos nacionais também pagam o mesmo ICMS?
Cinqüenta e cinco por cento do preço de um vinho nacional é imposto. Nos vinhos importados, além dessa porcentagem, ainda temos os vinte e sete por cento do imposto de importação, exceto para os vinhos do Mercosul sobre os quais não incidem a taxa.
Já que tocamos na questão dos vinhos nacionais, faz algum tempo que suas duas importadoras apresentam vinícolas nacionais em seus catálogos. Essa opção da importadora contemplar o produto brasileiro se deve a uma necessidade de compor portfólio ou o senhor vê uma perspectiva positiva para o vinho nacional?
Olha, minha opinião sobre o vinho nacional já é bem conhecida. Em todo lugar do mundo que tem um vinho bom, eu vou buscá-lo. O espumante nacional é bom, então temos que ter em nossos catálogos. É um belo produto.
E os não espumantes, os chamados vinhos tranquilos?
Tanto os tintos quanto os brancos estão na fase onde o Brasil procura identidade. O País não pode ficar copiando. Há vinte anos, se você lembrar, o vinho branco nacional imitava o vinho alemão, depois imitava o Frascati (vinho frisante italiano). Hoje, grandes empresas tentam imitar os vinhos chilenos e argentinos, já os produtores pequenos não. Aqui o clima é diferente, o solo é totalmente diferente, então eles procuram produzir o que se adapta bem aqui.
Isso gera vinhos com características próprias? É a identidade à qual o senhor se referiu?
Uma das características que esses vinhos têm é a acidez, por conta da chuva, do solo, etc. Isso não é um defeito, mas é diferente dos vinhos do Chile e da Argentina, por exemplo. A Vallontano e a Angheben (marcas de vinhos nacionais que a Mistral e Vinci distribuem) procuram fazer o que há de melhor dentro das características do solo do país.
Esse vinhos são competitivos no mercado dentro de sua faixa de preço?
São competitivos sim. Eles têm um nicho de mercado. Temos que ter o argentino e o chileno. O importante é ter a diversidade. Essa coisa de que temos que beber só vinho nacional não funciona. Um dos melhores exemplos a ser seguido é o dos Estados Unidos. Hoje, eles são os maiores produtores, consumidores e importadores mundiais de vinho.
Há planos de incorporar mais rótulos nacionais nos catálogos da Mistral e da Vinci?
Sim, temos esse interesse, mas primeiro temos que cumprir o compromisso com os atuais produtores que já estão em nosso catálogo. Nós assumimos essas vendas e, enquanto não vencermos essa etapa de vender folgadamente tudo que eles podem produzir, não tenho como pegar outro produtor. Já tenho contatos (com outros produtores), vontade e interesse. Possivelmente, em um ou dois anos, novos produtores nacionais irão entrar em nossos catálogos.
E como tem sido o resultado desse trabalho?
Esse ano nós vamos dobrar o volume de vendas desses vinhos em relação ao ano passado. Ainda é um número pequeno em termos de volume, mas dobrar as vendas, ainda mais em um ano de crise, não é fácil.
Falando em crise, ainda estamos no rescaldo da crise econômica mundial. Recentemente falei com a representante do Wines of Argentina para o Brasil e Estados Unidos, e ela disse que o vinho argentino sentiu muito pouco os efeitos dessa crise. Como o senhor vê a crise econômica neste mercado?
Foi muito claro o que aconteceu com os vinhos na crise. O consumo em volume, em número de garrafas, não caiu com a crise, mas houve migração do consumidor para vinhos mais baratos. Como os vinhos chilenos e argentinos são mais em conta, em parte porque não sofrem imposto de importação e em outra porque o frete, principalmente do vinho argentino, é mais barato que o do vinho europeu, eles acabam apresentando uma relação custo/benefício imbatível. Na Mistral e na Vinci, estamos vendendo mais garrafas de vinhos sul-americanos e menos garrafas de vinhos europeus. Acho que quem mais sentiu esse período de crise foi de fato o vinho europeu.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário