Enóloga fala da participação das mulheres no mundo do vinho.

A enóloga argentina Susana Balbo, fundadora e proprietária da vinícola Dominio del Plata, trabalhou ativamente nos anos 80 como consultora internacional de vinhos. Na década seguinte, participou de maneira significativa na transformação dos vinhos argentinos, ajudando a trilhar um caminho na direção dos mercados internacionais, nos quais, desde então, ela e a vinícola Dominio del Plata, fundada em 1999, são presenças constantes.

Susana Balbo concedeu entrevista ao Terra, na qual destacou a virada dos vinhos argentinos na década de 90 e a necessidade das vinícolas do Novo Mundo se reinventarem sempre. Susana também falou do papel da mulher no mundo do vinho. Mãe de um casal - um enólogo e uma administradora de empresas -, Susana Balbo estabelece uma conexão entre o atual e o futuro estágio do mercado de vinhos com o crescimento da presença da mulher neste cenário. Leia a seguir os principais momentos da entrevista:

Terra: Em um mercado tipicamente masculino, como foi o início de sua carreira como enóloga?
Susana Balbo: Depois que me graduei em 1981, só me davam trabalho em laboratório, fazendo análise de vinhos, e eu não queria aquilo. Até que tive a oportunidade de trabalhar em Salta, na cidade de Cafayate, na Bodega Sucesión Abel Michel Torino.

Como foi a experiência em Cafayate?
Eu tinha 23 anos, quase 24, e nunca tinha estado em Cafayate. Nesta época, era um povoado de 5 mil habitantes, não havia telefone ou televisão. Às dez da noite o gerador era cortado e não havia mais luz. Como não havia com o que me distrair, trabalhava muito e minha atenção estava totalmente voltada para o que eu fazia. Eu estava muito focada. Cada ano em Cafayate era como três em outro lugar. Foi uma experiência muito bonita. Foi lá também que conheci meu marido e tive meus dois filhos. Tenho raízes muito profundas em Salta, tanto que quando comecei a Dominio del Plata, dois dos vinhos produzidos tinham raízes também em Cafayate.

Mas, antes da fundação de sua própria vinícola, você participou da revolução dos vinhos argentinos nos anos 90, não?
O que ocorreu é que não somente eu, mas outros tantos enólogos começaram a viajar muito pelo mundo, a conhecer o que se passava em outras partes. Até a década de 90, a Argentina estava muito fechada e não tínhamos possibilidade de importar tecnologia, porque havia uma tarifa de importação muito alta. Os equipamentos no país eram muito pouco desenvolvidos. A partir da década de 90, quando a economia da Argentina se abriu, pudemos comprar equipamentos novos e saímos (do país) para ver como trabalhar com a nova tecnologia. Tivemos, então, a oportunidade de abrir nossa cabeça e ver o que estava se passando no mundo (do vinho). Simultaneamente, Nicolás Catena (fundador da Bodega Catena Zapata) começou a despontar com seus vinhos para exportação - uma revolução técnica e de estilos de vinhos. Nicolás Catena foi quem fundamentalmente liderou esta revolução.

Em que momento você trabalhou com Nicolás Catena?
Foi em 1998, quando fui contratada para construir o novo prédio que abrigaria a vinícola - todo o projeto da sua parte técnica foi feito por mim. Em 2000, passei a ser diretora de exportação. Nos dois anos que fui diretora de exportação também fui encarregada do estilo dos vinhos.

Além da parte técnica, você também estava diretamente ligada às questões de venda?
Por ser enóloga e estar atenta aos mercados, eu tinha condições de passar muito rapidamente à equipe técnica quais eram as necessidades. Um dos maiores problemas nas empresas é como o gerente de comércio exterior comunica ao enólogo o que ele vê nos mercados. Sendo uma enóloga, eu poderia interpretar rapidamente o que deveria ser desenvolvido.

Por quanto tempo durou este trabalho junto à Catena?
Não muito. Em 1999 eu já havia iniciado a Dominio del Plata. Para mim, era muito importante desenvolver minha própria empresa. Pensei também em meus filhos, era importante que eles tivessem um exemplo empreendedor. .

Como foi a decisão de sair da Catena?
Eu trabalhava 12 e até 14 horas diárias, o que parecia insano. No começo de 2002, comuniquei ao Dr. Nicolás Catena que eu estava saindo. Ele me perguntou se poderia ser sócio de minha vinícola, e eu disse que não. Ele era muito poderoso, e eu disse não. Na época eu escolhi trilhar só este caminho. Não me arrependo.

Há mais de dez anos conduzindo a Dominio del Plata, um negócio próprio, de muito sucesso, como você vê no panorama mundial o futuro do vinho sul-americano e mais especificamente do vinho argentino? Historicamente, os vinhos varietais sempre foram marcas fortes no Chile e na Argentina, mas isso está mudando, não?
O conceito de vinhos do Novo Mundo como varietais nasceu de uma reação aos vinhos clássicos europeus, que eram blends e cortes muito refinados. Foi uma grande estratégia no começo, mas é muito importante ter a capacidade de reinventar-se. Creio que o que você provou hoje é um exemplo da capacidade argentina de se reinventar (Susana Balbo se referiu à degustação que antecedeu esta entrevista, na qual alguns dos seus novos vinhos foram apresentados). Se permanecermos nos varietais, corremos o risco do consumidor se cansar de nossos vinhos. Por 4 anos fui presidente da Vinhos de Argentina (entidade que congrega os exportadores de vinhos do país), e digo com convicção que a Argentina não deve enquadrar-se somente nos vinhos Malbec. O que se faz hoje é apresentar vinhos de propostas diferentes, de reinvenção da oferta, para que tenhamos sempre demanda renovada.

Essas medidas já surtiram efeito no mercado do vinho argentino no mundo?
Sim, a Argentina exportava apenas cinco por cento de sua produção, e hoje exporta vinte por cento. Esse foi o resultado da ampliação de oferta dos vinhos argentinos. Continuamos com as ofertas tradicionais, mas ampliamos com novas ofertas.

Para a Dominio del Plata, o que representa o mercado internacional?
Sempre foquei o mercado externo. Negocio na Argentina no máximo 2 mil caixas de vinho por ano, contra 210 mil caixas que exporto. Este ano, estou contratando um gerente de comércio nacional para começar a desenvolver o mercado interno.

E o Brasil? O que significa o mercado brasileiro para Dominio del Plata?
O Brasil é um mercado extremamente importante. No início, trabalhamos com a importadora Grand Cru, com quem ficamos por dois anos. Nós queríamos crescer mais neste mercado que consumia apenas 3 mil caixas de nossos vinhos por ano, e na Grand Cru estávamos confinados nestes números. Depois, conheci o pessoal da importadora Cantu, uma empresa jovem e dinâmica, como nossa empresa, com muita vontade de crescer. Faz três anos que estamos com eles e, neste período, triplicamos as vendas para o Brasil. No ano passado, vendemos 13 mil caixas, e este ano a previsão é de 25 mil caixas.

Que posição ocupa o Brasil entre os destinos de seus vinhos?
Os Estados Unidos compram metade de nossa produção, e são nosso primeiro mercado. O Brasil era nosso décimo mercado, agora já é o quarto. Espero que chegue a ser o segundo.

Números recentes de uma pesquisa do Wine Market Council, publicados pela Bloomberg , revela que no mercado americano as mulheres já são 53% dos consumidores de vinhos. Como você vê hoje o papel da mulher no mundo do vinho?
Veja, mundialmente a mulher é quem compra o vinho em 70% das vezes. Mesmo que seja o marido quem faz a indicação, é ela quem realiza a compra. Agora, com esse dado que você está me dando, posso entender que há uma relação com uma mudança que vem ocorrendo no mercado de vinhos há cerca de dois anos, que é o aumento do consumo dos vinhos brancos e rosados. Até então eu entendia que esse fenômeno se devia a uma oferta muito grande de tintos mais rústicos, muito extraídos, e que o público havia se cansado.

Então as consumidoras também têm influencia no estilo dos vinhos?
Hoje, o vinho mais apreciado é o que tem maior complexidade e mais sutilezas. Um vinho que vai revelando suas camadas e se mostra mais integrado com a madeira. Isso veio mudando nos últimos anos, e não me surpreende então que as mulheres se aproximem mais do vinho. Há mais refinamento hoje e mais consumo de brancos e rosados. Seguramente, isso tem a ver com a entrada da mulher neste mercado

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